domingo, 4 de setembro de 2005

Não há skip que limpe esta nódoa!

Na campanha eleitoral para as legislativas que seriam ganhas pelo PSD de Durão Barroso, Morais Sarmento revelou ter tido um passado de toxicodependência. Como muitos na altura assinalaram, o mais importante da revelação era o carácter exemplar da superação de tal passado. Não pensou assim Manuel Maria Carrilho quando, tempos depois, se aproveitou dessa revelação como arma de arremesso contra Morais Sarmento.
1. O texto em que essa arma é utilizada, publicado na habitual coluna de opinião no Expresso, em 5 de Outubro de 2002, fala por si. Refutando a disparatada afirmação de Morais Sarmento de que «Manuel Maria Carrilho nasceu para a cultura portuguesa em 1995», pergunta Carrilho, retoricamente, «mas onde terá ele andado ‘antes de 95’?». A resposta merece ser recordada:
«...e aí está, pronto, aqui recordei-me das suas próprias palavras, em oportuna e pré-eleitoral confissão televisiva, é aí que podemos encontrar a explicação — e desde logo a antecipada desculpa — dos despautérios de Morais Sarmento, então certamente mais tentado pela assídua frequência do Casal Ventoso do que pela visita a boas livrarias, umas horas de biblioteca ou até, se calhar, pela simples leitura de jornais.
«São opções, pensei, ainda bem que o Governo do PS alicerçou a sua inovadora política no domínio da toxicodependência na ideia — aceite pelo actual governo — que ela é uma doença, e que, como tal, tem causas e consequências: e mesmo quando não se conhecem as causas, as consequências, às vezes, ficam bem à vista.»
Uma vez drogado, drogado toda a vida! É difícil imaginar pior serviço à causa da luta contra a toxicodependência do que este estigma, mobilizado por Carrilho não por ignorância mas porque lhe deu jeito.
2. Anos depois, em nova campanha eleitoral para a Assembleia da República, Francisco Louçã seria crucificado por, em debate com Paulo Portas, ter feito uma insinuação sobre a orientação sexual do seu interlocutor. Foi errado e errado foi ainda ter demorado a correcção. Mas não teve um décimo da gravidade do texto de Carrilho, com o qual houve uma triste condescendência. Não é o mesmo perder a cabeça no calor de um debate em directo ou escrever, a frio, deliberadamente, o que Carrilho escreveu mas que podia, caso o quisesse, ter emendado com facilidade. Carrilho escreveu o que escreveu para usar em seu favor, deliberada e friamente, o preconceito de boa parte dos leitores. Porque lhe deu jeito…
A quem assim não se autocontrola, não podem ser dados poderes acrescidos.

PS Hesitei muito antes de escrever este texto. Mas era impossível a abstenção quando Carrilho insiste neste mesmo estilo, transformando a luta política numa batalha de insultos que empobrece a democracia. A gota de água foi o relato, no Público de hoje, da intervenção de Carrilho, ontem, no Fórum Lisboa, durante a qual classificou Carmona Rodrigues como um “político de negociatas” ou um “populista incompetente”. A excitação do estilo contagiaria outros intervenientes, culminando com Catarina Molder a tratar o candidato do PSD por “bandalho”. Este não é o meu combate.