quinta-feira, 15 de outubro de 2009

IRS

1. Não há razão para excluir do IRS rendimentos individuais que não tenham origem no trabalho. Rendimento é rendimento, ponto. Uma reforma fiscal de esquerda, que deve ter entre os seus objectivos a redução das desigualdades, tem pois de acabar com a iníqua distinção fiscal entre rendimentos do trabalho, pesadamente taxados, e rendimentos de operações bolsistas, moderadissimamente taxados.

2. Em segundo lugar, a progressividade do imposto sobre os rendimentos individuais deve aumentar. Só assim se introduz mais equidade na redistribuição, pois não é justo que o custo relativo da privação de rendimento associado ao imposto comece a diminuir exactamente quando os rendimentos começam a ser muito mais elevados. Exemplificando, sobre um rendimento anual bruto de 50.000 euros não deve poder incidir a mesma taxa que incide sobre um rendimento de um milhão de euros (20 vezes maior).

3. Reduzir a desigualdade de rendimentos não é apenas uma questão sociopolítica, é também económica. Se não houver travão ao total centramento da racionalidade económica na busca da maximização do rendimento individual no curto prazo, alguns dos factores da presente crise serão repostos em funcionamento com os mesmos resultados de ontem. O problema não é (de raiz) moral: ou mudamos os incentivos económicos ou não alteramos os comportamentos que estiveram na origem da subordinação do comportamento empresarial ao espírito do capitalismo financeiro.

4. Uma reforma com estas orientações, sem travagem do crescimento económico, é viável. Recorde-se o precedente histórico: durante os Trinta Gloriosos anos do crescimento económico após a II Guerra Mundial, a taxa máxima de IRS nos EUA foi sempre superior a 70%. Nos EUA, não no mundo nórdico da social-democracia.

5. No que se refere à taxa máxima de IRS, Portugal ocupa, na União Europeia (UE), uma posição intermédia: 42%, próximo da média de 38% para o conjunto dos países da UE. Valor bem acima do das taxas irrisórias praticadas em muitos dos países do Leste, mas também claramente abaixo dos mais de 50% observáveis no mundo nórdico (ver figura).

6. Sublinhe-se, no entanto, que Portugal foi o único, repito, o único país da UE que, entre 1995 e 2008, subiu a taxa máxima de IRS. Em média, na UE, aquela taxa baixou 9,5 pontos percentuais no período em causa, enquanto em Portugal subiu 2 pontos. Não é pois preciso inventar a roda, basta continuar a percorrer o caminho iniciado durante o primeiro governo de José Sócrates.



Taxa máxima de IRS nos países da UE, 2008 (em percentagem)
Fonte: European Commission (2009), Taxation Trends in the European Union, edição de 2009, Luxemburgo, Office for Official Publications of the European Communities.