quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Rankings, selecção e contexto

1. Começo por reafirmar o que já disse aqui no Canhoto: “Classificar as escolas (…) a partir das notas dos seus alunos constitui exercício intelectualmente desonesto”. Porquê? Porque há escolas que podem escolher os seus alunos e outras que não o podem fazer. Podem escolher os seus alunos as escolas privadas. Escolhem os seus alunos, mesmo que indevidamente e só parcialmente, algumas escolas públicas. Se uma escola puder escolher apenas, ou maioritariamente, bons alunos, só sendo muito má não terá mais alunos com melhores notas nos exames do que as escolas que não seleccionam à entrada.

2. As condições de partida dos alunos também contam: quando o contexto socioeconómico é mais desfavorável, a escola tem que ser muito melhor do que as escolas em contexto favorável para ter alunos com as mesmas boas classificações. E se a comparação for com escolas em bom contexto que podem ainda seleccionar os alunos à entrada, então não terá que ser melhor, mas muito melhor. Em rigor, uma escola pública com resultados um pouco piores do que as melhores privadas pode ser melhor do que estas se não seleccionar apenas bons alunos e se estiver inserida em meio socioeconómico desfavorecido.

3. Posto isto, num ponto João Miranda (aqui, ou aqui) tem razão: “A desculpa do ‘contexto sócio-económico’ é também um reconhecimento de que a escola pública não tem qualquer efeito relevante nos alunos. O que é determinante para o sucesso escolar é o ‘contexto sócio-económico’”.

4. Só faz sentido a defesa da escola pública se a esta for atribuído o objectivo de contrariar o “contexto”. Capitular perante os factores sociais do insucesso escolar é desistir da escola pública. Ter em conta o “contexto” é fundamental para (i) identificar os obstáculos à aprendizagem que devem ser superados, (ii) discriminar positivamente as escolas que precisam de mais recursos para contrariar o “contexto” e (iii) avaliar o valor acrescentado de cada escola em função das características dos seus alunos à partida (que se pressupõe serem diferentes, para melhor, à chegada) .

5. Se as listas de escolas ordenadas em função da média das notas dos seus alunos nos exames dizem pouco sobre a qualidade relativa de cada escola, os resultados absolutos dos alunos nos exames dizem muito sobre a necessidade de continuar a melhorar a escola pública. Não o reconhecer, e usar o “contexto” como desculpa, é o melhor serviço que se pode prestar a João Miranda e à sua guerra ao Estado social.

6. A escola tem que contar, e tem que contar contra o contexto.